A foto é do blog do Studium Punctum |
Em dezembro do ano passado escrevi aqui um texto sobre o Bar do Piriá, um dos primeiros do Botecos JF. Relembre:
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Carlos e seu inseparável pandeiro, ao lado do violonista e torcedor do Náutico, Alexandre. |
Destaco a lona que cobre a parte posterior da garagem e filtra a luz, banhando a tudo e a todos de uma aura misteriosamente... azul.
O trem corta o trecho que separa esse lugar nenhum (foto: Anderson Batista Evangelista Lima. original aqui) |
Dizem que a cidade começou por aqueles lados. Deve ter sido mesmo, pois, além da primeira casa em construção de alvenaria (Fazenda da Tapera, na Alencar Tristão) e um clube de futebol de quase 100 anos (O querido Tupi Foot Ball Club), temos por lá os botecos mais antigos de Juiz de Fora.
Gaiola e Bar Dias tem mais de trinta anos. O Boi na Curva já passou dos quarenta. Com tanto tempo de estrada, certamente contam com bebidas e petiscos já provados e aprovados por diversas gerações.
Eu morei naquela região, ainda na infância, e, por acaso, quando casei e comprei meu apartamento, calhou de ser neste mesmo bairro. Já conhecia as ruas e vielas, mas não era habitué de nenhum bar daquela região.
Pelo mesmo acaso que me levou a voltar a morar por lá, eis que passeando pelas ruas do bairro encontro um bar sobre o qual sempre ouvi falar: O Boi na Curva.
(Adendo: Bares sempre tem nomes originais, e deste nome sempre gostei. Ainda mais quando vi que o bar não está numa curva. Mas nomes como “Chico Cara Feia”, “Gaiola”, “Futrica”, sempre instigaram minha imaginação.)
Localizado na Luiz Rocha, n.º 117, o buteco chama a atenção pelas mesas colocadas na calçada e pela loja principal, com um crânio e chifres de um boi de verdade pairando sobre o letreiro: Você verá centenas de garrafas de cachaça nas prateleiras, junto á parede. Disso eu gosto, e guardo esta como a principal característica de um boteco: Prateleiras abarrotadas de garrafas. Herança de tempos em que os fornecedores demoravam a aparecer para fazer as vendas, ou mesmo de tempos de inflação que justificassem a aquisição de maiores quantidades, evitando o iminente aumento de valores.
Lá estão elas. Algumas com seus rótulos deteriorados e amarelados. Duas delas, em especial, já tiveram lances que superam em muito seu valor: Um marimbondo, atrevido, fez sua casa entre a tampa e o gargalo. Impossível abrir e destruir o trabalho de tão nobre engenheiro. Pobre líquido desperdiçado, mas bela arte da natureza.
Mais recentemente, o bar passou a contar com mais uma prateleira, agora suspensa, que paira sobre o balcão. Lá estão mais uma centenas de garrafas de cervejas especiais, todas já abertas e saboreadas, creio eu. Parte do processo de aprendizagem do nosso querido proprietário, que aprendeu o ofício de cervejeiro. Mais adiante entro em detalhes sobre os resultados, vale a pena falar sobre.
Dentro do balcão, além dos sempre atenciosos funcionários, você notará uma série de panelões fumegantes. O aroma que delas surge enche o ar daquele espaço. São os apreciados caldos, prato chefe e especialidade da casa. Produzidos diariamente, sempre estarão fresquinhos, no que diz respeito a produção, mas serão servidos quentes, sempre, e por isso não se apresse, pois se não estiverem na temperatura adequada, eles não irão pra mesa antes dos funcionários “darem aquele calor” no caldo.
Chama a atenção, ainda, um belo galão de vidro, preenchido da famosa pinga com mel. Vende igual água, mas desce suave na garganta igual...igual... Pinga com mel mesmo. Vale à pena experimentar. Aliás, cachaças não faltam por lá. Diversas marcas, ao gosto do freguês. Descem bem, acompanhando os tradicionais caldos.
Voltemos, então, aos panelões e seus conteúdos. Você será servido em um prato branco, de louça. A “porção” de caldo tem preço na faixa de 6 a 7 reais. Serve bem, mas você pode repetir ou pedir “meia”, se achar necessário ou quiser provar outros tipos de caldos.
O principal leva o nome da casa: Boi na Curva! Não é vaca atolada, meu caro leitor: É mandioca triturada, adicionada de costela de boi desfiada, temperada com uma receita que só o proprietário e seu pai conhecem.
O Caldo de Feijão: Feijão batido e bem temperado, acompanhado de torresmo crocante, que estala quando você afoga o mesmo no caldo. Maravilha!
Inhame com lingüiça: Caldo de inhame, triturado, acompanhado de lingüiça bem temperada, fina e fatiada. A lingüiça insiste em afundar pro fundo do prato e você vai ficar entretido pescando a lingüiça e saboreando o delicioso caldo.
Canjiquinha com costelinha: Canjiquinha cozida e bem temperada, com grãos que dissolvem na boca, acompanhada de costelinha de porco. O curioso deste prato é que a costelinha é preparada em separado da canjiquinha, senão iria se desfazer no cozimento. Na hora de preparar o prato, o cheff pesca uma generosa porção de costelinha na panela de pressão, e adiciona a canjiquinha sobre a mesma.
Rabada com Batata: Meu preferido. Batatas cozidas com rabo de boi. Ah, meu caro leitor, não se assuste se nunca tiver comido esta parte do boi! È simplesmente delicioso. Carne macia, com fibras longas que se desprendem do osso facilmente, e dissolvem na boca, quase poupam o trabalho de mastigar, tamanha a suculência desta nobre iguaria.
As batatas quase somem durante o cozimento, e incorporam o sabor da carne e os temperos, sempre secretos, do Cheff.
Mas, sabe-se lá Deus o motivo, há daqueles que não gostam de caldo. Misericórdia!
Não há nada melhor pra forrar o estômago, antes de engatar numa boa bebedeira, ou mesmo depois, pra matar aquela fome que surge depois de secar algumas ampolas de cerveja.
E ora, pois, se você não quer caldos, vá lá assim mesmo, e prove a cerveja artesanal produzida pelo mestre cervejeiro Cristian Rocha. A cerveja Profana já foi agraciada por vários títulos estaduais e nacionais!
Sempre gelada, é servida em copos apropriados e com a logo da Profana, e isso já é bem legal. Na tulipa de Weiss cabe uma garrafa inteira *.*
Para um ogro glutão, como eu, é a redenção.
A cerveja é saborosa e encorpada, feita com produtos de primeira. O Cristian, cara de sorte e, principalmente, muito dedicado, ganhou uma fábrica de cerveja como prêmio num destes títulos de suas cervejas. Coisa linda, mas creio que não esteja aberta à visitação, ainda.
Weiss, Bock, Indian, Red, Ale, Pilsen, Stout… Tudo isso ele fez ou faz. Sempre há alguma dessas por lá, e todas valem a pena.
Bem. Tanta conversa me deu fome e uma sede por cerveja de verdade. Vou terminar este texto logo e correr (não literalmente) para o Boi na Curva, que, como disse, fica numa reta e leva este nome em referência a uma tradição que diz que, antigamente, no interior de MG, sempre que um boi era atropelado por um trem, nas curvas da estrada de ferro, isso significava fartura de carne para os moradores de lá. Afinal, ninguém come um boi sozinho, não é verdade?
Quer chegar lá? Siga a Avenida Rui Barbosa, passando pela praça, pouco mais de 100 metros à frente, vire à esquerda: É a Rua Luiz Rocha. Siga por mais 100 metros e o Boi estará lá, á sua esquerda.
Site: http://boinacurva.com.br/
Amigos, o Cold Bar não deve ter nem dois anos de existência e sua casa, bem espaçosa, porém de um calor senegalês – embora, eu confesso, nunca tenha ido ao Senegal - antes abrigava o Joker bar, para uns o saudoso, para mim, indiferente.
Américo, feliz proprietário da casa, pode se gabar de uma clientela seleta e diversificada, são senhores moradores da Rua São Mateus, pertinho do antigo Salamaleque, hoje algo do gênero, perdidos, do bairro São Mateus, amantes de futebol, como eu, do bairro São Mateus e jovens de preto. De eles vêm eu não sei, mas creio caso sejam do bairro São Mateus não andam de coturno, maquiagem e cabelos espetados, talvez só saiam quando o movimento black rock acontece, vai saber.
Eu sei, já expressei toda a minha afetividade em bares que passam o glorioso e foi no Cold Bar que encontrei meu refúgio silencioso. Os senhores, aqui já citados, provenientes da rua e do bairro todos se estabelecem durante as partidas, carinhosamente chamados pelo nome do time. Eu, por exemplo, sou o botafoguense, (jura?), ainda sobram flamenguistas, tricolores e até extintos vascaínos de idade avançada. Comentam-se os jogos, relembram jogos e são dotados de uma memória ímpar.
Outro ponto divertido é a fácil e contínua acessibilidade a minha cerveja predileta: Heineken, poucas as vezes que lá não contava com a garrafa verde e seu precioso sabor. Com o tempo você tem-se a liberdade de abrir o freezer, pegar uma gelada e gritar ao Américo: “peguei mais uma!”. O torresmo e o feijão amigo, fazem parte de um extenso cardápio que vem acompanhado de uma nota interessante: “Couvert R$3,00 ou negociável”. Aí minha imaginação entra em um estágio inevitável de montar debates com o proprietário sobre o desconto: “Não faz por R$1,50? Quando eu cheguei o som estava na metade”. Ainda não pude ver tal debate, mas pretendo até interceder caso haja.
Futebol, impessoalidade amistosa, cardápio vasto, couvert negociável, tudo isso o Cold Bar tem a oferecer aos felizes moradores de São mateus e entorno. Vos digo, por experiência, levei amigos que de primeira torceram o nariz para bar e depois ficaram maravilhados pelo atendimento, cardápio e toda ladainha que já citei. Essa semana tem jogo, você pode me encontrar lá!
Se o buteco é uma espécie de casa que adotamos, apresento à queridagem que agora lê estas linhas meu refúgio juizforano: o Replay Bar. Estrategicamente localizado a dois quarteirões de minha residência (o que oferece uma bela solução logística para os casos advindos das dificuldades proporcionadas pelas experimentações etílicas), o Replay vem me servindo de dois modos. Primeiro, como arquibancada para as solitárias noites de torcida pelo Mengão do meu coração. Em segundo lugar, como porto seguro para as últimas horas das noites de boemia. E é neste quesito que o estabelecimento se destaca. Nos derradeiros instantes antes de a madrugada fazer-se dia, importa que a cerveja esteja gelada, que os quitutes ainda embacem as estufas de vidro, que a calçada comporte mais uma mesa e que restem fichas para o karaokê.
O Replay nunca falhou comigo e com meus chapas em nenhum destes quesitos – e nunca o fará! Tenha a certeza, nobre leitora, nobre leitor, trata-se de uma relação de confiança, ancorada no que há de mais religioso na tradição boêmia. A começar pela cozinha, simples sim, mas, coisa mineira, farta e saborosa. Que se lembre aqui do mexidão – o tradicional, que fiquem bem claro! –, tão caro aos madrugadores da Princezinha de Minas, e menção honrosa ao fígado acebolado, para os carnívoros de plantão.
A questão etílica, razão de ser deste depoimento e do blog que o comporta, vai bem representada. A honestidade dos empreendimentos deste tipo expressa-se já no preço da cerveja, o qual é bem apropriado aos últimos trocados que restaram da noite que se iniciara tantas horas antes. E como o alcoolizar-se se torna muito mais nobre quando feito coletivamente, o público do Replay, de cativo, faz-se cativante. Democrático, antes de tudo, em etnia, religião, nível educacional, mas sobretudo em gostos e talentos musicais. As urnas, símbolo da democracia nas eleições, é aqui substituída pelo karaokê. Canta quem quer o que bem entender, cujo esforço é valorizado por todos os presentes. “Um amor que não cabe em si”, diria Djavan, sendo bastante exato.
Aos pés da alterosa serra que a Avenida dos Andradas inaugura, o Replay destaca-se por levar com simplicidade e de um modo todo seu o bem-viver da boemia. Assim, após ser expulso de um destes bares que fecham cedo, não tenha dúvidas, queridagem, o Replay estará de braços abertos para o tradicional estica.
O Bar do Chinelato carrega consigo muita mais história do que o autor da narrativa conhece e pode construir. Muitos de seus frequentadores poderão e legitimamente nutrirão a raiva mais plena por ausência de fatos construtores de sua identidade ou ainda por não ver em meu relato seus nomes, tão conhecidos, lembrados por aqui.
Minha relação com o toldo verde e suas toalhas de cantina italiana foi um acaso do caso. Caso construído em busca de um aperitivo de botequim barato.
Quando se é estudante o barato jamais sai caro. O aniversário de Roberto era o tema, e o dia ficaria marcado como a ocasião de quebra de condutas. Gritos, palavrões, o individualismo de sua própria mesa e o garçom para si mesmo. Costumes de meninões nem tão novos com seus vinte dois anos, onde tudo era permitido.
Permissões ali negadas. severa e enfaticamente.
Ali não era lugar de palavrões, meu jovem! Muito menos de não-audição do dedilhar de um violão! Ali não!
O que vale valia, e vale naquele lugar: um olhar, atenção e um aperto de mão. de domingo a domingo passei a nutrir ali meu início de semana. Esperava cada um em sua mesa, cada um em seu horário, como a mais rígida disciplina familiar.
E ali estava, entre os meus. Jamais apresentado mas na certeza de que eles eram eles. Esperava ansioso o chegar do violão. Chegava mas não saía do carro antes de duas ou três cervejas.
Despretensiosamente então vinha, junto ao aroma do frango do outro lado da rua.
Do colo do poeta fazia melodia junto aos meus. Alegrava meu domingo. Por anos, por semanas, por dias, fazia a diferença. E eis algo que o tal do boteco tem que ter: diferença.
Lá ela residia de maneira substantiva.
Os donos, pais de um intercâmbio sóbrio. Acolhedores que memorizam seu nome (ou alcunha estranha) na segunda cerveja, recebem assim, dadas as regras, seguidas sem nenhuma coerção.
Fígado, língua, feijão amigo, batata emolduram o cenário de dias agradáveis.
Cerveja gelada, incluindo Itaipava, rebelde no cenário ambeviano. Um bar, ao menos no domingo, com hora para abrir e fechar. Um bar sério. Assim como a tradição exige seus ritos rígidos.
A narração do Bar do Chinelato pode parecer um pouco poética demais, e assim deve ser! O desafio está lançado: leia novamente esse texto depois de passar por lá em um domingo, às 11.30 da manhã e permanecer por ali até as 15.00h
E tenho dito.
(o Bar do Chinelato fica na Av. Presidente Costa e Silva, esquina com a Rua Herman Toledo – São Pedro)