sexta-feira, 3 de maio de 2013

O Paraíso do Morro da Glória



O buteco é grande. Ocupa o espaço aparente de duas lojas. Muitas mesas se espalham ao longo do imóvel, sempre ocupadas de gente com sede e apetite. Na porta, um grupo volumoso de pessoas se concentra e conversa em voz alta. Alguns falam de futebol, outros jogam uma acalorada "porrinha". Todas as mesas estão bem servidas de petiscos e cervejas e os sorrisos dominam o rosto das pessoas que papeiam. Homens e mulheres de idades variadas, algumas mesas apenas com mulheres.

Tudo em ordem e dentro da normalidade. Um buteco grande, um complexo de alegria e boemia que opera bem. Comum? Até você perceber que a Dona Sônia dá conta de tudo isso sozinha.

A estufa é a chave da porta do paraíso.
Inevitável começar a falar do Paraíso do Morro da Glória sem tratar desse fato tão interessante. Uma senhora simpática, proprietária do local, cuida do balcão, das mesas, da cozinha e dos refrigeradores – e pasmem-  sozinha!
Dona Sônia não é de falar muito. Mas quando provocada troca algumas palavras e sempre deixa escapar um sorriso simpático de quem é boa gente. Inevitável depois de alguns minutos chamá-la de tia.

Tudo funciona bem nesse buteco.

Naturalmente se você é uma daquelas pessoas que importou seu conceito de eficiência dos cursos de MBA em Administração de Empresas, esqueça. Seu lugar não é aqui. Aliás, seu lugar não é buteco. Vá ao MC Donald’s. Lá lhe servirão bem rápido qualquer porcaria.

Buteco tem sua própria lógica de eficiência e qualidade de atendimento. Começando pelo fato de em buteco não existe cliente, existe freguês, sobrinho e até sócio honorário. Cliente quem tem é multinacional.
Há tempos venho conservando a vontade de escrever sobre o Paraíso. Tarefa difícil tendo em vista que nosso amigo e colaborador Airton Soares já havia feito em seu blog. De qualquer forma, homenagens a essa jóia nunca são demais.

Paleta, batata e linguiça. Incrível!
Fui apresentado a esse literal Paraíso pelos meus parceiros Carlos Fernando e Roger Resende com quem lá passei algumas horas, naturalmente, falando sobre samba, molhando a goela e acalmando o estômago.  Só com coisas de primeira.

Localizado no Morro da Glória (!), na Rua Padre Matias, aquela que fica justamente em frente a Igreja da Glória, o Paraíso é um típico buteco mineiro. Conserva o clima tranqüilo e ameno, sem maiores alardes e frescuras, e tem uma estufa maravilhosa. Coisa que só os melhores butecos ainda preservam.

Cerveja gelada e realmente barata, diga-se de passagem, com preço muito melhor do que a maioria dos butecos que rodeiam a região mais central da cidade .

Dentre as iguarias, destaco uma deliciosa paleta com batatas, além do pernil e de deliciosas lingüiças mineiras disponíveis logo ali no balcão. Dona Sônia também nos brinda com um jiló recheado excepcional. É possível ainda degustar excelentes pastéis de carne e de queijo, sardinhas fritas e espetinhos mágicos de frango.

Com toda simpatia e presteza ela pode lhe preparar um belo prato com vários desses tira-gostos ao mesmo tempo, eliminado assim a necessidade de escolher apenas um.

A mão que toca o violão coloca o limão na sardinha

O Paraíso é um bom lugar para se comer e beber com fartura, qualidade com preço justo e honesto. É possível também assistir um futebol e até mesmo escolher uma música para ouvir na jukebox que a casa oferece. Ideal para aquela cerveja pós-firma, na companhia de amigos e amigas do coração. Sem dúvida, foi sempre assim que imaginei o paraíso prometido.


Pastel: carne ou queijo. 






quarta-feira, 3 de abril de 2013

A "Real" boemia de Juiz de Fora

Rainha, muito mais que um bar e lanchonete
Alguma coisa acontece no coração de Caetano Veloso quando o tropicalista cruza certo trecho da avenida São João, em Sampa. Eu, por minha vez, sinto é uma bela pontada no fígado toda vez que passo pela homônima rua juizforana. Sim queridagem, estamos em mais um solo sagrado da boêmia da cidade – sagrado, não, monárquico. A Manchester em questão é mineira, democrática e não canta god save the queen. Mas cá nós temos também nossa própria dinastia: os bares Rei e Rainha.

Como os incautos e incautas leitores já se aperceberam, me refiro aqui a dois distintos bares (há ainda um terceiro, mais jovem, trataremos dele adiante). O Rei e o Rainha funcionam na mesma rua, na parte baixa da Barão de São João Nepomuceno. É curioso perceber que a via não leva o nome do sacro evangelista do amor, mas sim de um improvável senhor de terras. Admito aqui que não faço a menor idéia de quem tenha sido esse tal barão. Vale a lembrança, entretanto, da cidade de mesma alcunha, vizinha a Juiz de Fora e internacionalmente conhecida como berço de grandes sambistas e intensa boemia, principalmente nos dias em que o Momo é rei. Não importa para onde vamos, é a cerveja que encontramos. Bela sina. Sigamos em frente.

Sois Rei! Sois Rei!
Tomemos o que distingue os estabelecimentos. O Rainha encontra-se mais próximo à Batista de Oliveira, quase numa esquina, espaço concebido por Deus para localizarem-se as tradicionais mesas de plástico, junto às quais vamos gelar a goela após o fim de expediente. Ali, no alaranjado trazido pelo sol que se esconde atrás do Morro do Cristo, a queridagem se reúne para celebrar o dia que se encerra, ou o fim de semana que se inicia. O aperitivo vem direto da estufa: ali encontramos os mais tradicionais quitutes da baixa gastronomia butequeira. Ao iniciar-se a noite, os apaixonados solitários esperam seu possível amor surgir na balada emitida pela jukebox estrategicamente localizada no interior do local. Fixemos nossa atenção nesta, ela será importante no futuro.

Por sua vez, o Rei, mais próximo à Getúlio Vargas, divide-se entre a nobre arte do almoço e a caridosa companhia da madrugada. O estabelecimento disponibiliza a sua clientela as mais diversas opções de PF para sustentar nossa labuta, além de, na solidão das altas horas da noite, nos acolher com quentes caldos e cerveja gelada, quando outros, ditos, ilustres butecos já encerraram suas atividades. O local ainda recebe os mais distintos torcedores nos finais de semana, necessitados de um espaço cativo para o espetáculo ludopédico brasileiro. Registre-se, estampados nas paredes, os escudos dos quatro grandes times do Rio, bem como o do grande galo mineiro – o Carijó de Santa Terezinha.

Rei - cachaça e atendimento de alto nível
As nobres e os nobres colegas de boemia hão de notar um certo ar de segredo e até de rivalidade que separa e ao mesmo tempo aproxima os estabelecimentos. Reza a lenda entre os boêmios mais velhos que o Rainha teria sido o primeiro a estender suas mesas pelas pedras portuguesas que enfeitam aquelas calçadas. Contudo, possíveis desacordos quanto à seleção de músicas na jukebox (sim, ela) teriam levado a inevitáveis cisões internas entre os proprietários, motivando o surgimento do Rei.

A contenda só teria sido resolvida em tempos recentes, mediante a atuação da turma do “deixa disso”. A questão não só foi pacificada como ainda teria dado origem ao Princesa, uma joint venture entre as partes, especializada em pequenos lanches disponibilizados aos pobres estudantes que se amontoam diariamente para subir à UFJF.

A paz selada entre Rei e Rainha só veio trazer o bem à Princesinha de Minas. Hoje, temos a disposição outras belas opções para as necessárias tardes-noites-madrugadas de álcool, quitutes e queridagem. Viva a boemia, viva o Rainha, viva o Rei! Hip-hip, úrra!

segunda-feira, 25 de março de 2013

Mistura Fina: a jóia do Alto dos Passos



 
Quem chega ao Bar e Restaurante Mistura Fina, em um primeiro momento pode se confundir. Os clientes mais antigos – alguns nem tanto - se revezam ao evocar o dono do bar:

- Ô, Enderson, traz mais uma Brahma aqui!
- Ô, Kaká, traz mais um torresmo!

Esse mistério eu nunca preocupei em entender. Se o dono do buteco se chama Enderson e de onde deriva o Kaká, pouco importa. Importa que essa pequena jóia incrustada na parte mais escura do Alto dos Passos é um dos melhores butecos de nossa Juiz de Fora.

Eu diria até que o Mistura Fina nos permite contestar a visão que o ilustre Pedro Nava tinha da região, retratada em seu Baú de Ossos. Esse bar transfere ao Alto dos Passos o subversivo e alegre espírito de uma Juiz de Fora que só existe do largo do Riachuelo para lá.

O Mistura se destaca pela capacidade de abrigar pessoas das mais variadas faixas etária e grupos sociais. Espaço clássico de boemia, ponto de encontro de boa parte dos músicos da cidade, seu horário elástico de funcionamento o torna sempre uma opção. A boa vontade de seu proprietário em abrigar as pessoas, refazendo a logística das mesas, improvisando-as na calçada, torna ainda mais prazeroso chegar por lá sem se programar.

Como já havia dito aqui em outros textos, a alma de buteco que se preze é sua estufa. A cozinha do Mistura é indiscutivelmente uma extensão de uma casa de vó. Tempero apurado, ingredientes bem selecionados e respeito às melhores tradições ao qual um buteco está arraigado. Um dos poucos lugares onde você ainda pode encontrar uma boa língua de boi com batatas além da moela com molho e uma maçã de peito espetacular.  A estufa traz também espetaculares almôndegas servidas no molho acompanhadas de pão, uma opção para quem prefere um petisco mais ameno. E buteco bom tem pastel e empada. Os do Mistura são espetaculares.

A estufa sagrada do Mistura
No detalhe da foto: Kaká mete a faca no parmesão

Para além dessa espetacular estufa, você pode contar com um cardápio que oferece petiscos variados, além de sanduíches e comidas mais reforçadas.

Cerveja sempre trincando de gelada, nas variadas possibilidades: Brahma e o resto (é o que mais importa). Mas para as goelas mais atiçadas fica a sugestão: a cachaça do barril, especialidade da casa. Nada melhor para degustar os quitutes que a casa oferece.

Não é preciso nem lembrar que a cachaça é peça-chave para o torresmo. E cá entre nós, o torresmo do Mistura Fina em suas duas versões, pururuca ou barriga, é um dos melhores da cidade, quiçá o melhor.

Não é difícil chegar ao Mistura e encontrar uma reunião de sambistas, o que torna a noite ainda mais agradável. Obviamente tudo no clima da camaradagem e improviso, coisas que referendam a alma do bom buteco.



Durante a semana o Mistura abre para almoço e oferece um dos melhores PFs da cidade, prezando pela comida caseira em sua essência. Um dos poucos lugares onde você pode comer uma baroa, um inhame, couve e outros legumes e verduras tradicionais do dia a dia da cozinha mineira.

Aos sábados serve-se uma feijoada espetacular, daquelas que Vinicius de Moraes descrevia como só permitida de ser saboreada trancado no escuro, pensando no máximo na mulher amada.

E sem me entender  mais, amigos e amigas, o Mistura é isso, um buteco completo. Quem nunca foi, vá. Ajude a manter a acesa a chama da melhor tradição de butecos em nossa cidade.




O Mistura Fina fica na Rua Moraes e Castro 26- Alto dos Passos.