Rainha, muito mais que um bar e lanchonete |
Alguma coisa acontece
no coração de Caetano Veloso quando o tropicalista cruza certo
trecho da avenida São João, em Sampa. Eu, por minha vez, sinto é
uma bela pontada no fígado toda vez que passo pela homônima rua
juizforana. Sim queridagem, estamos em mais um solo sagrado da boêmia
da cidade – sagrado, não, monárquico. A Manchester em questão é
mineira, democrática e não canta god save the queen. Mas cá
nós temos também nossa própria dinastia: os bares Rei e Rainha.
Como os incautos e
incautas leitores já se aperceberam, me refiro aqui a dois distintos
bares (há ainda um terceiro, mais jovem, trataremos dele adiante). O
Rei e o Rainha funcionam na mesma rua, na parte baixa da Barão de
São João Nepomuceno. É curioso perceber que a via não leva o nome
do sacro evangelista do amor, mas sim de um improvável senhor de
terras. Admito aqui que não faço a menor idéia de quem tenha sido
esse tal barão. Vale a lembrança, entretanto, da cidade de mesma
alcunha, vizinha a Juiz de Fora e internacionalmente conhecida como
berço de grandes sambistas e intensa boemia, principalmente nos dias
em que o Momo é rei. Não importa para onde vamos, é a cerveja que
encontramos. Bela sina. Sigamos em frente.
Sois Rei! Sois Rei! |
Tomemos o que distingue
os estabelecimentos. O Rainha encontra-se mais próximo à Batista de
Oliveira, quase numa esquina, espaço concebido por Deus para
localizarem-se as tradicionais mesas de plástico, junto às quais
vamos gelar a goela após o fim de expediente. Ali, no alaranjado
trazido pelo sol que se esconde atrás do Morro do Cristo, a
queridagem se reúne para celebrar o dia que se encerra, ou o fim de
semana que se inicia. O aperitivo vem direto da estufa: ali
encontramos os mais tradicionais quitutes da baixa gastronomia
butequeira. Ao iniciar-se a noite, os apaixonados solitários esperam
seu possível amor surgir na balada emitida pela jukebox
estrategicamente localizada no interior do local. Fixemos nossa
atenção nesta, ela será importante no futuro.
Por sua vez, o Rei,
mais próximo à Getúlio Vargas, divide-se entre a nobre arte do
almoço e a caridosa companhia da madrugada. O estabelecimento
disponibiliza a sua clientela as mais diversas opções de PF para
sustentar nossa labuta, além de, na solidão das altas horas da
noite, nos acolher com quentes caldos e cerveja gelada, quando
outros, ditos, ilustres butecos já encerraram suas atividades. O
local ainda recebe os mais distintos torcedores nos finais de semana,
necessitados de um espaço cativo para o espetáculo ludopédico
brasileiro. Registre-se, estampados nas paredes, os escudos dos
quatro grandes times do Rio, bem como o do grande galo mineiro – o
Carijó de Santa Terezinha.
Rei - cachaça e atendimento de alto nível |
As nobres e os nobres
colegas de boemia hão de notar um certo ar de segredo e até de
rivalidade que separa e ao mesmo tempo aproxima os estabelecimentos.
Reza a lenda entre os boêmios mais velhos que o Rainha teria sido o
primeiro a estender suas mesas pelas pedras portuguesas que enfeitam
aquelas calçadas. Contudo, possíveis desacordos quanto à seleção
de músicas na jukebox (sim, ela) teriam levado a inevitáveis cisões
internas entre os proprietários, motivando o surgimento do Rei.
A contenda só teria
sido resolvida em tempos recentes, mediante a atuação da turma do
“deixa disso”. A questão não só foi pacificada como ainda
teria dado origem ao Princesa, uma joint venture entre as
partes, especializada em pequenos lanches disponibilizados aos pobres
estudantes que se amontoam diariamente para subir à UFJF.
A paz selada entre Rei
e Rainha só veio trazer o bem à Princesinha de Minas. Hoje, temos a
disposição outras belas opções para as necessárias
tardes-noites-madrugadas de álcool, quitutes e queridagem. Viva a
boemia, viva o Rainha, viva o Rei! Hip-hip, úrra!