sábado, 5 de março de 2011

Bar do Abílio

- Eu achei que fôssemos chegar e estaria passando um bom jogo da segunda divisão!

A frase é do meu camarada-irmão Giliard Gomes Tenório, também colunista deste blog, e foi dita logo quando chegamos e nos acomodamos no Bar do Abílio, nessa sexta-feira molhada que antecedeu as festividades de Momo na Juiz de Fora.


Para um incauto a frase pode parecer sem sentido, ou interpretada com objetividade desnecessário que induz ao erro. O que meu camarada queria ver era algo que o jornalista Flavio Gomes chama de "futebol de verdade". Jogadores que colocam literalmente toda esperança em forma de coração na ponta da chuteira e dão sangue, suor e lágrimas em nome de flâmulas tradicionais porém esquecidas, e na busca da defesa de suas agremiações e de suas vidas e sobrevivência, comem grama.

É isso que buscamos quando saímos por aí em busca dos mais tradicionais e fiéis botecos da cidade. Estabelecimentos que abrem suas portas com o único objetivo de servir bem, como sempre fizeram. Jogam simples, na maioria das vezes. Três ou quatro tira-gostos especiais, cerveja geladíssima e uma cachaça especial, quase sempre guardada com carinho, e colocada a disposição de quem aprecia a bagaceira.

E isso o Abílio faz, com categoria e autoridade.

Parece que havia em mim nessa sexta um comichão. Desde a hora que saí do trabalho só me vinha a cabeça uma vontade de abrir os trabalhos do carnaval no Bar do Abílio. Tudo bem, já havíamos combinado com os amigos uma ida ao sensacional Boi na Curva, prodigioso boteco já relatado aqui pelo amigo Airton Soares.

Mas se íamos ao nobre bovino só mais tarde, restava tempo de ir ao Abílio e pra lá fui, carregando meu camarada Giliard Tenório.

Sexta é dia de casa cheia no boteco instalado logo no início da rua Fonseca Hermes. Mesinhas improvisadas na calçada, muita gente em pé, curtindo suas cervejas. Lá dentro mesas ocupadas. A solução portanto é tomar no balcão. Aliás, fato curioso esse. O Bar do Abílio não tem balcão. São os freezers que formam o balcão. E logo ali por detrás do "balcão" o mestre ABílio, com seu fogão industrial faz as panelas cantarem. A especialidade da casa é um excepcional fígado acebolado, que pode ser acompanhado de jiló, de acordo com o gosto do freguês. A casa oferece tiras de torresmo, porções de linguiça mineira e um chouriço incrível de tempero ímpar. É o tira gosto de boteco em sua essência mais plena e completa.

Abílio concentrado em sua tarefa

A casa oferece as principais marcas de cerveja, sempre geladas. Tudo por lá é simples, porém feito com consistência, desde a comida até as acomodações, que não deixam nada a desejar a outros botecos da cidade, sem cair nos fru-frus afrescalhados que muitas vezes levam botecos a se tornarem insípidos estabelecimentos.

Como vocês sabem queridos amigos e amigas, eu sou da teoria de que boteco bom é aquele em que você pode ir sozinho e se sentir acompanhado. No Abílio é algo corriqueiro, bem lembrado pelo meu camarada Giliard, horas depois já no Boi da Curva. É fato comum vermos por lá, pessoas que vão sozinhas e se enturmam nas conversas de balcão, ou simplesmente curtem sua cerveja e tira-gosto sem se sentir solitárias. Na república do fígado com jiló não tem sexismo. Mesas só de mulheres, mesas de mulheres sozinhas, mulheres sozinhas no balcão, sempre em um ambiente de respeito e tranquilidade. Aliás, geralmente em botecos tradicionais, o respeito é algo cabal e nunca relativizado.

Bebemos algumas Brahmas, comemos um belo fígado acebolado com jiló, tergiversamos sobre a vida, sobre futebol, samba, trabalho. Afoguei o comichão em Brahma gelada, meus amigos e senti que meu carnaval já podia começar.

Pagamos a conta, e fomos ver o Bloco do Beco passar pelas ruas da cidade.

Ah, urge lembrar. Sobre o jogo de futebol que passva. Não era um jogo de segunda divisão. Mas prevaleceu o espírito guerreiro do pequeno Macaé que venceu o Vasco da Gama por 3 a 1 e coroou todas as nossas teorias de como o verdadeiro amor a vida e as causas, traduzidas numa mesa de boteco, são fundamentais para seguir em frente, feliz e forte.

terça-feira, 1 de março de 2011

Idas e vindas nos botecos da cidade

Juiz de Fora, a marginal iluminada abre caminho para as noites nos botecos


O ano era 2002. Ano-novo tinindo e trincando. Recém aprovado no vestibular de História, resolvi curtir então férias dignas de quem havia tirado dos ombros um peso razoável.

Sempre em minha companhia, amigos de infância, dos quais eu nunca me separei - ainda que em carinho e afeto - rodávamos todos butecos, biroscas, espeluncas, quebradas, de todos os tipos e gostos, sempre em busca da cerveja gelada, de preço honesto.

Posso dizer que nessas incursões pelos rincões da Princesa de Minas adquiri imenso carinho e apego pela vida boemia. Nos finais de tarde, com sol caindo e refletindo no Paraibuna, nas madrugadas cheias de surpresas, no amanhecer que demandava sempre a saideira. Geralmente essa, numa padaria, mas isso é outra história.

Quem busca o boteco, busca vida. Convívio pleno, interação,integração. A faceta mais viva da sociabilidade humana. E era isso que ousávamos buscar pelas ruas da cidade. Era comum terminarmos as noitadas na companhia das figuras mais ilustres que habitam a noite da cidade. Sambistas, bebuns, meretrizes, punguistas, amigos e amigas feitos por ali, a cada gole, a cada tira-gosto.


A praça da estação, antigo coração da cidade, ainda abriga a boemia


Eu e meu grande amigo, Dyogo Barros, com quem fui criado desde os 3 anos de idade gostávamos de iniciar nosso trajeto etílico no saudoso Bar do Macedo, que localizava-se na parte baixa da Rua São João. Macedo era um português, mau humorado, bravo, devoto de Nossa Senhora de Fátima e Salazarista até o talo. Nos divertíamos vendo a turma fazer raiva no Macedo, enquanto as geladas desciam como água.


De lá era comum irmos a um dos mais simpáticos e acolhedores botecos da cidade. O Bar da Sidnéia, localizado no Mercado Municipal da cidade. Pela posição estratégica, era ponto de encontro de toda uma rapaziada da Zona Leste da cidade que atravessava a ponte para curtir os sambas e pagodes desse lado, e claro, antes fazer um esquenta no louvado boteco em questão.

A cerveja sempre gelada descia em ritmo frenético, de lá pra cá. Muita movimentação, conversa, encontros e desencontros. Nunca era preciso marcar com ninguém. Era só chegar lá, e pronto, encontraria com todos camaradas das antigas.

Para espantar a fome, Sidnéia mandava bronca numa isca de peixe de alto nível, crocante, de preço honesto, que vendia como água (ou cerveja). Em caso de emergência, leia-se tomar uma cachaça, era só solicitar uma tira de torresmo, já pronta enfeitando a estufa.

O clima agradável era coroado pelo ambiente do mercado. Amplo, arejado, cheio de cores e cheiros.

A regra número 1 de nossas andanças era sempre emendar meia caixa, sem o compromisso cumprido, nada de deixar a batalha. E ao final da empreitada, que geralmente acabava por volta de onze da noite, promovíamos um estica no Bar do Vagner, na Francisco Bernadino, na companhia de figuras que não conhecíamos mas que faziam parte de nossos momentos por ali.

Alegres e tristes histórias que adentravam a madrugada, de trabalhadores brindando seus benditos finais de semana que chegavam, tristes homens calados que observavam tudo ao seu redor, por detrás de seus copos.