quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

É o Boi

Por Airton Soares

Dizem que a cidade começou por aqueles lados. Deve ter sido mesmo, pois, além da primeira casa em construção de alvenaria (Fazenda da Tapera, na Alencar Tristão) e um clube de futebol de quase 100 anos (O querido Tupi Foot Ball Club), temos por lá os botecos mais antigos de Juiz de Fora.

Gaiola e Bar Dias tem mais de trinta anos. O Boi na Curva já passou dos quarenta. Com tanto tempo de estrada, certamente contam com bebidas e petiscos já provados e aprovados por diversas gerações.

Eu morei naquela região, ainda na infância, e, por acaso, quando casei e comprei meu apartamento, calhou de ser neste mesmo bairro. Já conhecia as ruas e vielas, mas não era habitué de nenhum bar daquela região.

Pelo mesmo acaso que me levou a voltar a morar por lá, eis que passeando pelas ruas do bairro encontro um bar sobre o qual sempre ouvi falar: O Boi na Curva.

(Adendo: Bares sempre tem nomes originais, e deste nome sempre gostei. Ainda mais quando vi que o bar não está numa curva. Mas nomes como “Chico Cara Feia”, “Gaiola”, “Futrica”, sempre instigaram minha imaginação.)

Localizado na Luiz Rocha, n.º 117, o buteco chama a atenção pelas mesas colocadas na calçada e pela loja principal, com um crânio e chifres de um boi de verdade pairando sobre o letreiro: Você verá centenas de garrafas de cachaça nas prateleiras, junto á parede. Disso eu gosto, e guardo esta como a principal característica de um boteco: Prateleiras abarrotadas de garrafas. Herança de tempos em que os fornecedores demoravam a aparecer para fazer as vendas, ou mesmo de tempos de inflação que justificassem a aquisição de maiores quantidades, evitando o iminente aumento de valores.

Lá estão elas. Algumas com seus rótulos deteriorados e amarelados. Duas delas, em especial, já tiveram lances que superam em muito seu valor: Um marimbondo, atrevido, fez sua casa entre a tampa e o gargalo. Impossível abrir e destruir o trabalho de tão nobre engenheiro. Pobre líquido desperdiçado, mas bela arte da natureza.

Mais recentemente, o bar passou a contar com mais uma prateleira, agora suspensa, que paira sobre o balcão. Lá estão mais uma centenas de garrafas de cervejas especiais, todas já abertas e saboreadas, creio eu. Parte do processo de aprendizagem do nosso querido proprietário, que aprendeu o ofício de cervejeiro. Mais adiante entro em detalhes sobre os resultados, vale a pena falar sobre.

Dentro do balcão, além dos sempre atenciosos funcionários, você notará uma série de panelões fumegantes. O aroma que delas surge enche o ar daquele espaço. São os apreciados caldos, prato chefe e especialidade da casa. Produzidos diariamente, sempre estarão fresquinhos, no que diz respeito a produção, mas serão servidos quentes, sempre, e por isso não se apresse, pois se não estiverem na temperatura adequada, eles não irão pra mesa antes dos funcionários “darem aquele calor” no caldo.

Chama a atenção, ainda, um belo galão de vidro, preenchido da famosa pinga com mel. Vende igual água, mas desce suave na garganta igual...igual... Pinga com mel mesmo. Vale à pena experimentar. Aliás, cachaças não faltam por lá. Diversas marcas, ao gosto do freguês. Descem bem, acompanhando os tradicionais caldos.

Voltemos, então, aos panelões e seus conteúdos. Você será servido em um prato branco, de louça. A “porção” de caldo tem preço na faixa de 6 a 7 reais. Serve bem, mas você pode repetir ou pedir “meia”, se achar necessário ou quiser provar outros tipos de caldos.

O principal leva o nome da casa: Boi na Curva! Não é vaca atolada, meu caro leitor: É mandioca triturada, adicionada de costela de boi desfiada, temperada com uma receita que só o proprietário e seu pai conhecem.

O Caldo de Feijão: Feijão batido e bem temperado, acompanhado de torresmo crocante, que estala quando você afoga o mesmo no caldo. Maravilha!

Inhame com lingüiça: Caldo de inhame, triturado, acompanhado de lingüiça bem temperada, fina e fatiada. A lingüiça insiste em afundar pro fundo do prato e você vai ficar entretido pescando a lingüiça e saboreando o delicioso caldo.

Canjiquinha com costelinha: Canjiquinha cozida e bem temperada, com grãos que dissolvem na boca, acompanhada de costelinha de porco. O curioso deste prato é que a costelinha é preparada em separado da canjiquinha, senão iria se desfazer no cozimento. Na hora de preparar o prato, o cheff pesca uma generosa porção de costelinha na panela de pressão, e adiciona a canjiquinha sobre a mesma.

Rabada com Batata: Meu preferido. Batatas cozidas com rabo de boi. Ah, meu caro leitor, não se assuste se nunca tiver comido esta parte do boi! È simplesmente delicioso. Carne macia, com fibras longas que se desprendem do osso facilmente, e dissolvem na boca, quase poupam o trabalho de mastigar, tamanha a suculência desta nobre iguaria.

As batatas quase somem durante o cozimento, e incorporam o sabor da carne e os temperos, sempre secretos, do Cheff.

Mas, sabe-se lá Deus o motivo, há daqueles que não gostam de caldo. Misericórdia!

Não há nada melhor pra forrar o estômago, antes de engatar numa boa bebedeira, ou mesmo depois, pra matar aquela fome que surge depois de secar algumas ampolas de cerveja.

E ora, pois, se você não quer caldos, vá lá assim mesmo, e prove a cerveja artesanal produzida pelo mestre cervejeiro Cristian Rocha. A cerveja Profana já foi agraciada por vários títulos estaduais e nacionais!

Sempre gelada, é servida em copos apropriados e com a logo da Profana, e isso já é bem legal. Na tulipa de Weiss cabe uma garrafa inteira *.*

Para um ogro glutão, como eu, é a redenção.

A cerveja é saborosa e encorpada, feita com produtos de primeira. O Cristian, cara de sorte e, principalmente, muito dedicado, ganhou uma fábrica de cerveja como prêmio num destes títulos de suas cervejas. Coisa linda, mas creio que não esteja aberta à visitação, ainda.

Weiss, Bock, Indian, Red, Ale, Pilsen, Stout… Tudo isso ele fez ou faz. Sempre há alguma dessas por lá, e todas valem a pena.


Bem. Tanta conversa me deu fome e uma sede por cerveja de verdade. Vou terminar este texto logo e correr (não literalmente) para o Boi na Curva, que, como disse, fica numa reta e leva este nome em referência a uma tradição que diz que, antigamente, no interior de MG, sempre que um boi era atropelado por um trem, nas curvas da estrada de ferro, isso significava fartura de carne para os moradores de lá. Afinal, ninguém come um boi sozinho, não é verdade?

Quer chegar lá? Siga a Avenida Rui Barbosa, passando pela praça, pouco mais de 100 metros à frente, vire à esquerda: É a Rua Luiz Rocha. Siga por mais 100 metros e o Boi estará lá, á sua esquerda.

Site: http://boinacurva.com.br/

Site: http://www.cervejaprofana.com.br/

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Com vocês, Cold Bar.


Na contramão dos botecos raiz, famosos, conceituados e blá, blá existe o Cold Bar.

Amigos, o Cold Bar não deve ter nem dois anos de existência e sua casa, bem espaçosa, porém de um calor senegalês – embora, eu confesso, nunca tenha ido ao Senegal - antes abrigava o Joker bar, para uns o saudoso, para mim, indiferente.

Américo, feliz proprietário da casa, pode se gabar de uma clientela seleta e diversificada, são senhores moradores da Rua São Mateus, pertinho do antigo Salamaleque, hoje algo do gênero, perdidos, do bairro São Mateus, amantes de futebol, como eu, do bairro São Mateus e jovens de preto. De eles vêm eu não sei, mas creio caso sejam do bairro São Mateus não andam de coturno, maquiagem e cabelos espetados, talvez só saiam quando o movimento black rock acontece, vai saber.

Eu sei, já expressei toda a minha afetividade em bares que passam o glorioso e foi no Cold Bar que encontrei meu refúgio silencioso. Os senhores, aqui já citados, provenientes da rua e do bairro todos se estabelecem durante as partidas, carinhosamente chamados pelo nome do time. Eu, por exemplo, sou o botafoguense, (jura?), ainda sobram flamenguistas, tricolores e até extintos vascaínos de idade avançada. Comentam-se os jogos, relembram jogos e são dotados de uma memória ímpar.

Outro ponto divertido é a fácil e contínua acessibilidade a minha cerveja predileta: Heineken, poucas as vezes que lá não contava com a garrafa verde e seu precioso sabor. Com o tempo você tem-se a liberdade de abrir o freezer, pegar uma gelada e gritar ao Américo: “peguei mais uma!”. O torresmo e o feijão amigo, fazem parte de um extenso cardápio que vem acompanhado de uma nota interessante: “Couvert R$3,00 ou negociável”. Aí minha imaginação entra em um estágio inevitável de montar debates com o proprietário sobre o desconto: “Não faz por R$1,50? Quando eu cheguei o som estava na metade”. Ainda não pude ver tal debate, mas pretendo até interceder caso haja.

Foto: Revista Pauta Econômica

Futebol, impessoalidade amistosa, cardápio vasto, couvert negociável, tudo isso o Cold Bar tem a oferecer aos felizes moradores de São mateus e entorno. Vos digo, por experiência, levei amigos que de primeira torceram o nariz para bar e depois ficaram maravilhados pelo atendimento, cardápio e toda ladainha que já citei. Essa semana tem jogo, você pode me encontrar lá!

sábado, 15 de janeiro de 2011

Pontos de doação para as vítimas da tragédia no Rio

Interrompemos nossa programação de boteco por uma boa causa. Quem puder ajudar, envie sua doação para as vítimas da chuva na região serrana do Rio:


Clube Bom Pastor, parceria com a OAB. Rua Senador Salgado Filho, 313 - Bom Pastor

Sindicato dos Bancários, na Rua Batista de Oliveira, 675

MixAlternativo, localizada na Rua Oscar Vidal 150/302, também recolhe doações, a idéia é enviar na segunda as doações

Colégio Apogeu, na Rua Santo Antonio, próxima a esquina da Benjamin. Na quarta começam a enviar!

No Supermercado Bahamas também é possível fazer doações. Voluntários se encontram nas lojas espalhadas pela cidade

Quem mora em Juiz de fora e quer fazer doações p/ vítimas das chuvas no Rio, Rodoviário Camilo dos Santos busca na sua casa. 2102-8000

A Catedral faz a 'Campanha SOS'. Doações na paróquia da Igreja, de segunda a sábado, das 7h às 22h, domingos, das 7h às 13h 15h às 21h.

Igreja Matriz do bairro Santa Luzia, que fica na Rua Ingracia Pinheiro, nº 170. O telefone é o (32) 3234-3332

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Baalbek, sob as bençãos do profeta

Descendo o calçadão da rua Halfeld, na primeira galeria a direita entre. Já dentro dela, vire a direita. Ali é o alardeado "Beco do Baltazar", cantado em samba memorável de Armando Aguiar Mamão. Também conhecido como "Galeria da Mineira", apelido da época que a mesma não tinha saída e culminava na sede da companhia Mineira de energia, tempos que a Cemig ainda não existia.

Tal lugar sempre conhecido pelo Bar do Beco que deu origem ao mais tradicional bloco carnavalesco da cidade, o Bloco do Beco.

Mas meu encanto por esse lugar sempre se deu pela casa de comida árabe ali localizada. O Baalbek tornou-se um grande boteco de Juiz de Fora, sem perder em nenhum momento a qualidade de suas cozinha árabe. Eu diria que ali está a melhor esfiha da cidade e sem dúvida o melhor kibe com labne que ja saboreei na vida.

Cabe salientar que Juiz de Fora é a segunda colônia sírio-libanesa do Brasil. Sendo assim a tradição da comida árabe nesta cidade é forte, graças a Alah, sob as graças de Mohamed.


A galeria cheia de bares, com luz baixa, dá o clima da boemia, tornando o local ainda mais charmoso. No verão a possibilidade de escapar do sol quente, princpalmente aos sábados quando mantemos aquele hábito de descer o calçadão seja pra olhar vitrines, seja pra dar pinta e encontrar conhecidos na mais famosa rua da cidade. No inverno, a possibilidade de escapar do frio. Ponto de encontro das pessoas que usam também os sábados para as lutas políticas, sejam sindicais, populares e sindicais.

Em tempos memoráveis o Baalbek oferecia o chope da Brahma gelado e bem tirado. O grande movimento possibilitava a alta rotatividade, que garantia um chope fresco e gelado. Se não mais há chope, continua havendo lá uma das cervejas mais geladas da face da terra.

No santo sábado, dia santo sim, no calendário do frequentador de boteco, a casa oferece uma iguaria. Um belo pernil assado, que pode ser degustado em forma de porção, bem acebolado, ou simplesmente o sanduíche de pernil, preferência de vosso interlocutor. Tal sanduíche ganha trejeitos sublimes quando regado com o molho de tahine, preparado ali mesmo na casa.

Como todo boteco que se preze, o Baalbek tem seus frequentadores assíduos que soam como personagens, que sem os mesmos, o bar perderia o charme. É um lugar onde facilmente pode-se ir sozinho e ter com quem conversar. Muitas vezes lá estive, no final das tardes de sexta, e ganhei bons minutos da vida, conversando ali mesmo, no balcão com as figuras carimbadas que ali estão.


Com a turma reunida, independente da casa cheia, sempre arruma-se espaço. Uma mesa aparece, uma cadeira é resgatada e em poucos minutos todos estão sentados e prontos pra desfrutar da casa.

Apesar de estar localizado numa galeria, o trânsito de pessoas é intenso, e é sempre possível cruzar ali com os conhecidos, puxar mais uma cadeira e esticar o papo.

O Baalbek é portanto, um oásis de calmaria e tranquilidade, pra quem passa correndo no coração da cidade de Juiz de Fora, espremendo tempo. Lá é sempre possível fazer o tempo durar mais um pouco, até a saideira.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Botecagem de verdade tem que ter direito a Replay

Como butequeiro sul-mineiro radicado em Juiz de Fora, confesso antecipadamente que venho fugindo às raízes. Vá lá, em tempo de vacas gordas, eu bem ando freqüentando uns bares assim um cadim mais sofisticados. Sou exemplo do que diz o bom e velho presidente Lula: o povo gosta do bom e do melhor (quem gosta de miséria é intelectual). Apesar disso, quem já se deu ao direito do desregramento que a vida boêmia exige sabe que estes conceitos de qualidade variam significativamente. Vai do gosto do freguês, diz o ditado. Mas ah!, dessa vida de Alto dos Passos e eticétera e tal, que saudade que me dá daquela butecagem mais autêntica, ou mesmo mais honesta, ouso dizer. Ah!, se não troco os requintes gastronômicos por aquele pacotinho de amendoim torrado do vendedor delivery de bar em bar, e as delicadas taças de cervejas – apropriadas para cada um dos tipos desta – pelos tradicionais copos americanos, levemente lascados e arranhados...

Se o buteco é uma espécie de casa que adotamos, apresento à queridagem que agora lê estas linhas meu refúgio juizforano: o Replay Bar. Estrategicamente localizado a dois quarteirões de minha residência (o que oferece uma bela solução logística para os casos advindos das dificuldades proporcionadas pelas experimentações etílicas), o Replay vem me servindo de dois modos. Primeiro, como arquibancada para as solitárias noites de torcida pelo Mengão do meu coração. Em segundo lugar, como porto seguro para as últimas horas das noites de boemia. E é neste quesito que o estabelecimento se destaca. Nos derradeiros instantes antes de a madrugada fazer-se dia, importa que a cerveja esteja gelada, que os quitutes ainda embacem as estufas de vidro, que a calçada comporte mais uma mesa e que restem fichas para o karaokê.

O Replay nunca falhou comigo e com meus chapas em nenhum destes quesitos – e nunca o fará! Tenha a certeza, nobre leitora, nobre leitor, trata-se de uma relação de confiança, ancorada no que há de mais religioso na tradição boêmia. A começar pela cozinha, simples sim, mas, coisa mineira, farta e saborosa. Que se lembre aqui do mexidão – o tradicional, que fiquem bem claro! –, tão caro aos madrugadores da Princezinha de Minas, e menção honrosa ao fígado acebolado, para os carnívoros de plantão.

A questão etílica, razão de ser deste depoimento e do blog que o comporta, vai bem representada. A honestidade dos empreendimentos deste tipo expressa-se já no preço da cerveja, o qual é bem apropriado aos últimos trocados que restaram da noite que se iniciara tantas horas antes. E como o alcoolizar-se se torna muito mais nobre quando feito coletivamente, o público do Replay, de cativo, faz-se cativante. Democrático, antes de tudo, em etnia, religião, nível educacional, mas sobretudo em gostos e talentos musicais. As urnas, símbolo da democracia nas eleições, é aqui substituída pelo karaokê. Canta quem quer o que bem entender, cujo esforço é valorizado por todos os presentes. “Um amor que não cabe em si”, diria Djavan, sendo bastante exato.

Aos pés da alterosa serra que a Avenida dos Andradas inaugura, o Replay destaca-se por levar com simplicidade e de um modo todo seu o bem-viver da boemia. Assim, após ser expulso de um destes bares que fecham cedo, não tenha dúvidas, queridagem, o Replay estará de braços abertos para o tradicional estica.

Bar do Chinelato

por Eduardo Freitas, o Preá


A sobriedade plena me impediria de dizer todos os elementos de um local tão sóbrio quanto o boteco em questão.

O Bar do Chinelato carrega consigo muita mais história do que o autor da narrativa conhece e pode construir. Muitos de seus frequentadores poderão e legitimamente nutrirão a raiva mais plena por ausência de fatos construtores de sua identidade ou ainda por não ver em meu relato seus nomes, tão conhecidos, lembrados por aqui.

Minha relação com o toldo verde e suas toalhas de cantina italiana foi um acaso do caso. Caso construído em busca de um aperitivo de botequim barato.

Quando se é estudante o barato jamais sai caro. O aniversário de Roberto era o tema, e o dia ficaria marcado como a ocasião de quebra de condutas. Gritos, palavrões, o individualismo de sua própria mesa e o garçom para si mesmo. Costumes de meninões nem tão novos com seus vinte dois anos, onde tudo era permitido.

Permissões ali negadas. severa e enfaticamente.

Ali não era lugar de palavrões, meu jovem! Muito menos de não-audição do dedilhar de um violão! Ali não!

O que vale valia, e vale naquele lugar: um olhar, atenção e um aperto de mão. de domingo a domingo passei a nutrir ali meu início de semana. Esperava cada um em sua mesa, cada um em seu horário, como a mais rígida disciplina familiar.

E ali estava, entre os meus. Jamais apresentado mas na certeza de que eles eram eles. Esperava ansioso o chegar do violão. Chegava mas não saía do carro antes de duas ou três cervejas.

Despretensiosamente então vinha, junto ao aroma do frango do outro lado da rua.
Do colo do poeta fazia melodia junto aos meus. Alegrava meu domingo. Por anos, por semanas, por dias, fazia a diferença. E eis algo que o tal do boteco tem que ter: diferença.

Lá ela residia de maneira substantiva.

Os donos, pais de um intercâmbio sóbrio. Acolhedores que memorizam seu nome (ou alcunha estranha) na segunda cerveja, recebem assim, dadas as regras, seguidas sem nenhuma coerção.

Fígado, língua, feijão amigo, batata emolduram o cenário de dias agradáveis.

Cerveja gelada, incluindo Itaipava, rebelde no cenário ambeviano. Um bar, ao menos no domingo, com hora para abrir e fechar. Um bar sério. Assim como a tradição exige seus ritos rígidos.

A narração do Bar do Chinelato pode parecer um pouco poética demais, e assim deve ser! O desafio está lançado: leia novamente esse texto depois de passar por lá em um domingo, às 11.30 da manhã e permanecer por ali até as 15.00h

E tenho dito.


(o Bar do Chinelato fica na Av. Presidente Costa e Silva, esquina com a Rua Herman Toledo – São Pedro)

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Santa Comunhão – Bar do Bigode & Xororó

Em atenção, e deveras feliz por aceitar o convite, inauguro uma crônica no Botecos JF. Mas não poderia escrevê-la sem antes agradecer ao colega & amigo, Tiago Rattes, de ter me concedido a honra em colaborar no recém-nascido blog sobre as “tabernas & boutiques” da Princesazinha de Minas, GizdeFora. É com todo prazer que atenderemos de bate-pronto esta sua mais nobilíssima empresa. Será um júbilo, cumpade! Vida longa ao blog etílico, Botecos JF!

***

fonte: http://papahostias.blogspot.com/

Há muito afastado da vida boêmia me vi na obrigação de fazer uma visita a um dos bares mais famigerados da cidade, o Bigode & Xororó. Sua fama se deve justamente ao fato de eles terem desenvolvido alta tecnologia no preparo sistemático do quitute que acabou por se tornar a galinha dos ovos de ouro: nada mais nada menos do que o Torresmo do Bigode. Servido nos formatos “tira & ponta”, ou no tradicional à pururuca, aquele do crac-crac na dentadura, tem por companhia um meio limão; o trio auriverde pode vir acompanhado pelo refresco que lhe agrade. Expostos na vitrina do balcão frontal, o esfomeado poderá, a seu bel-prazer, dedurar qual das três qualidades que ele deseja tira-gostar junto à loura que escolher (cerveja? Temos 7. Cachaça? 70 vezes 7. ). Escolha feita, sapecam-lhe a indefectível pergunta: – Pica pra um?

Composto de três sedimentos, crosta, banha e carne, o torresmo do Bigode & Xororó é tão indescritível na sua apresentação visual quanto no sabor e na crocância que inebria o paladar do energúmeno. Qualquer alfabeto ou interjeição seria insuficiente para expressar o que significa experimentá-lo, seja com os olhos, seja com a língua. Seu aspecto e espectro são ambos um todo indissociável. A mistura do azedo com o salgado deixa no paladar aquele adstringente que dá uma sensação de frescor nas papilas gustativas e uma sede do camelo mais sequioso.

A filosofia do Bar do Bigode segue o dogma da abençoada e ingênua malícia de todo santo dia – Para levar a vida numa boa é que deve ser. Típico de lá é o método de servir a cerveja joão-bobo. O cliente feliz e salivante ao ver a suada ali, em cima da mesa, na expectativa de sorvê-la, pode tomar um susto com a prestidigitação mandrakeana.

Numa dessas já escutei por lá que, nos primórdios da bodega – quando o Xororó era pequeno... digo, usava fraldas e ainda nem sonhava em ser sócio do João, hermano de DNA do Bigode – que a tábua, onde é fatiada a iguaria, foi comprada de um caixeiro viajante cuja indumentária denunciava sua bíblica procedência. Segundo os donos do Bar, o vendedor (de sandálias, túnica, turbante, barba e o Corão no sovaco) jurou de pés juntos que aquela madeira milenar seria um pedaço original da mesa que estava na Santa Ceia. Pitoresco, não?

Seu cardápio esbanja não só economia no tamanho como também apresenta um extenso rol de tira-gostos variados tanto em espécie monetária quanto na qualidade dos acepipes, que são sempre muito bem-vindos para se mordiscar enquanto se sorve uma cerva pra lá de gelada. Mas com perdão dos racionalistas ou daqueles que se deixam enganar, o torresmo do Bigode já passou de melhor do que. É comida consagrada, em Santa Comunhão, a que muitos são chamados e poucos serão os escolhidos.